27 agosto, 2013

Wishful Thinking

WISHFUL THINKING

 
Yuri Andropov sucedeu a Leonid Brejnev como Secretário-Geral do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) em 1982. Após longos e estiolantes 18 anos de governo de Brejnev, durante os quais a URSS atingiu o apogeu do seu poder militar e político no plano externo e, também, estagnou e ossificou o seu sistema económico e político interno, a ânsia no Ocidente era ver suceder-lhe um líder reformista, mais aberto que começasse a rachar o monólito soviético.


Yuri Andropov (1914-1984), líder da URSS durante 15 meses (Novembro 1982-Fevereiro 1984) e Director da KGB entre 1967 e 1982, saudando da tribuna do Mausoléu de Lenine na Praça Vermelha, em Moscovo.

Da realidade ao desejo foi um pequeno passo para os media ocidentais que rapidamente descobriram que Andropov bebia Scotch whisky, ouvia Glenn Miller e devorava literatura norte-americana; desses supostos gostos ocidentais, deduzia-se uma generalizada adesão às convicções ocidentais, mormente no plano político. Ou seja, estávamos perante um reformador. Talvez cientes de que a extrapolação desafiava as regras do bom senso, media houve que foram mais longe, descobrindo (???) que quando regressava a casa à noite, Andropov entretinha tertúlias de debate político com oposicionistas do regime comunista, ao som de Glenn Miller e lubrificadas com Scotch.


Atenção, não estamos a falar de pasquins sensacionalistas e demagogos. Refiro-me a jornais como o Wall Street Journal, o New York Times, o Washington Post e o Christian Science Monitor.


Tudo isto é muito bonito, excepto que esbarrava num pequeno obstáculo: a REALIDADE. E essa realidade era pouco rósea: Andropov era embaixador soviético em 1956 quando os tanques soviéticos invadiram o país e suprimiram a Revolução Húngara com grande violência. Andropov foi um dos instigadores e mentores da invasão. Andropov era membro do Comité Central do PCUS há 21 anos e do Politburo há uma década, ou seja, pertencia ao grupo restrito de altos dirigentes soviéticos.

Mas falta a cereja no topo do bolo da realidade: Yuri Andropov era há 15 anos, desde 1967, o chefe da KGB. Sim, essa mesmo, a polícia secreta soviética, orgulhosa sucessora do NKVD de Staline.


Portanto, de acordo com esses media, Andropov tinha uma vida dupla: de dia mandava prender, torturar, deportar para a Sibéria, executar dissidentes políticos. À noite, convidava-os para ir a sua casa beber uns whiskies, ouvir música e desancar no regime do qual ele era dirigente e responsável pela segurança. Fantástico!!!!


Relembro estes desvarios jornalísticos dos tempos da minha adolescência, porque este é um trend que se mantém até aos dias de hoje. Qualquer novo líder de um país totalitário, autoritário ou simplesmente desagradável aos olhos do Ocidente, é recebido com expectativas inauditas de que se trata de um novo Vaclav Havel ou Lech Walesa, mesmo que ele faça parte integrante do sistema e nele tenha prosperado e dele dependa. Assim foi com Kim Jong Il na Coreia do Norte, com Medvedev na Rússia, ou com qualquer novo Presidente do Irão.


O mesmo esquema mental é aplicado a revoluções em países ditatoriais: em meados da década passada na Ucrânia e no Quirguizistão e, desde 2011 na Líbia, no Egipto, no Iémen e na Síria. Todos eles se iam tornar a breve trecho exemplos de democracias liberais. Oito anos depois, a Ucrânia e o Quirguizistão ainda estão longe de o ser. Dois anos depois, a Líbia e o Iémen são failed states waiting to happen, a Síria está em estado de guerra civil e o Egipto está perto de onde estava em Dezembro de 2010, antes de começar a dita Primavera Árabe.


Conselho de amigo: muito cuidado com aquilo que os media relatam nestas situações. Hoje em dia, a maioria dos media vive em função do que gostavam que fosse, o que muitas vezes está a milhas de distância do que é. Opinam sobre a espuma que vêem e ignoram a realidade histórica, política e cultural, bem como os interesses e os poderes fácticos que na maioria das vezes, passado o delírio das manifestações e dos entusiasmos, são os que prevalecem. No meu tempo de estudante, ensinaram-me que o jornalismo relatava factos e não estados de alma.


Em Inglês existe uma expressão fabulosa que retractar esta atitude na perfeição: WISHFUL THINKING, que significa algo como, pensar aquilo que se deseja, em detrimento da realidade.

2 comentários:

Estella disse...

De tudo o que tem escrito, do pouco que consigo ler e do muito que me têm ensinado depreendi o mais fácil e óbvio: o Homem foi, é e será sempre um animal ambicioso, trapaceiro, ardiloso, que não olha a meios para atingir os fins. Só muda a tecnologia. Até mesmo os melhor intencionados se deixam tentar. A ocasião fará o ladrão? Todos terão um preço? Uma questão de oportunidade? Preciso acreditar que há excepções! Honrosos e dignos cidadãos bem intencionados e competentes!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Estella,

Não serão muitos, mas sim, há excepções. Nem toda a gente tem um preço, nem todos se deixam corromper.