30 novembro, 2013

Soberania Limitada


SOBERANIA LIMITADA

 
A Doutrina da Soberania limitada, também conhecida por Doutrina Brejnev, foi enunciada* em 1968 por Leonid Brejnev, então líder da então União Soviética. Com ela, o Secretário-Geral do PCUS pretendia apresentar uma justificação teórica e política para a invasão da Checoslováquia de Agosto de 1968 por 5 países do Pacto de Varsóvia.

Leonid Brejnev (1906-1982) deu o nome à Doutrina da Soberania Limitada e presidiu às invasões da Checoslováquia (1968) e do Afeganistão (1979).
in http://moscow-point.ru/culture/9086.html

Esta semana em Vilnius, na Lituânia, Durão Barroso, o funcionário de topo da burocracia da União Europeia, pronunciava enfaticamente que “os tempos da soberania limitada na Europa já terminaram.”

O seu ar impante mostrava a sua satisfação com o que julgava ser um sound bite com impacto mediático e profundamente intelectual. A sua postura tensa traía a irritação com o fiasco da cimeira da Eastern Partnership, que reuniu os 28 Estados-Membros da EU e 6 ex-repúblicas soviéticas.


O FIM DA SOBERANIA LIMITADA

A declaração que Durão pronunciou com severidade é, na verdade, farsesca. O indivíduo que a proferiu e os seus acólitos pronunciam-se repetidamente sobre assuntos que não lhes dizem respeito e que são do domínio da soberania dos Estados. É certo que não faz isso com todos. É truculento e valentão quando se pronuncia sobre Portugal, Grécia, Espanha, ou até a Itália. Já o fez sobre a França, mas, louve-se os Franceses, foi posto rapidamente no seu lugar. Certo é, porém, que Durão não interfere nos assuntos da Alemanha, que trata com mesuras servis, mas até isso encaixa bem no espírito da soberania limitada: a Doutrina Brejnev limitava a soberania da RDA, Bulgária, Checoslováquia, Polónia, etc, mas não a da URSS. Obviamente.


Esta declaração feita num tempo em que a soberania de muitos estados europeus está limitada como nunca, quando Durão e os seus comissários achincalham essa soberania, quando a Alemanha exerce um poder tutelar sobre grande parte desses estados, só pode vir de uma mente delirante na qual as referências de Mao, Brejnev, Merkel, Schauble, Delors, se devem misturar e baralhar. Uma coisa é certa, a referência de Sá Carneiro naquela cabeça deve estar bem morta e enterrada.

ESFERAS DE INFLUÊNCIA

Por proposta da Suécia e da Polónia, a EU criou a Eastern Partnership em 2008 para atrair os estados que envolvem a Rússia a Oeste e a Sul para a órbita europeia. Para choque de muitos estados europeus e da burocracia de Bruxelas, a Rússia resistiu a essa nova incursão na sua esfera de influência. E essa resistência não se quedou por plácidas declarações. A Rússia adoptou a velha táctica do carrot and stick. Desenvolveu iniciativas diplomáticas para cativar esses estados, mas não hesitou em recorrer à pressão, à ameaça e, pasme-se, à concretização de algumas ameaças. Tal abordagem conferiu credibilidade aos avisos de que maiores retaliações se seguiriam para quem assinasse os acordos com a EU.

 
Resultado: 4 dos 6 países, incluindo a Ucrânia que é de longe o mais relevante, não assinaram nada com a EU. Os restantes, Geórgia e Moldova, rubricaram os acordos num passo preliminar e não vinculativo, o que significa que os acordos não estão em vigor.

CONCLUSÃO

A EU e os estados mais envolvidos neste projecto estavam bem cientes que estavam a atacar a área de influência de Moscovo e que é muito sensível em termos de segurança nacional da Rússia. Também sabiam que não estavam a tentar concluir um mero acordo comercial, mas sim a impor o seu modelo político, económico, jurídico e social. Sim, aquilo que quando é feito por outros tem o rótulo de imperialismo.


Contudo, os Europeus parecem ainda não ter percebido que a Rússia dócil, frágil e submissa de Yeltsin pertence a um passado já distante. A Rússia de Putin faz o que entender ser necessário para defender os seus interesses, recorrendo aos meios disponíveis para os prosseguir. No caso da disputa pela Europa Oriental, não usou punhos de renda, usou poder e a força (não militar) que este lhe confere. Em duas palavras, POWER POLITICS. E ganhou.


Por seu lado, Durão não percebeu que Putin não é como os líderes políticos da Europa mediterrânica. Confrontado com o Presidente da Rússia, Durão é….molinho. Aliás, Durão podia servir como uma espécie de Big Mac Index do poder na Europa.


Com quem é que se porta como um bully? Quem maltrata? Samaras, Passos Coelho, Rajoy, etc. São os que não têm poder (nem espinha).

 
Quem é que ele não afronta? Com quem é reverencial? Quem é que o repreende ou contraria? Merkel, Hollande, Cameron e Putin. São estes que detêm o poder.


Entretanto, na Europa Oriental e até ver, o maior poder é a Rússia.


Tanques soviéticos ocupando Praga e sendo apedrejados pela população.


6 comentários:

Defreitas disse...

Num "post" de tal qualidade, pela argumentação sólida, pelo conhecimento da questão, pelas referências fornecidas ... e pelo conhecimento de Durão Barroso, que só conheci do tempo em que ele era MRPP, não há nada a acrescentar. Excelente.

Sergio Lira disse...

De cada vez que a europa se meteu com a Rússia levou nas orelhas... assim por alto: a invasão teutónica, mais tarde Napoleão e anteontem os nazis - todos, sempre, foram corridos (e a que preço!). Se esta UE de betinhos imberbes, que nunca foram à tropa (como soi dizer-se) resolver mesmo «imbentar» por esses lados vai ser uma sova de criar bicho...

Defreitas disse...

A Europa é vista com olhos doces por muitos dos seus vizinhos, de leste como do sul, mesmo da África. A tal ponto que muitos não compreendem hoje o desencanto de muitos europeus, que se manifesta cada vez mais fortemente nos diversos países que a compõem.

Vamos lá explicar a esses que tanto sonham de atravessar as nossas fronteiras, de fazer parte deste "eldorado", porque é assim que eles a vêm de longe, isto é, que a nossa liberdade, a nossa democracia, sao acossadas de todos os lados pelos extremismos e o populismo, que as nossas instituições estáveis que ainda obedecem democraticamente à alternância, sao ameaçadas cada dia que passa pelos extremismos demagógicos e o populismo,que as nossas conquistas sociais que fazem a qualidade da nossa vida de todos os dias, se deliam inexoravelmente sob os golpes do liberalismo económico.

A Europa tão sonhada, não é exactamente aquilo que eles pensam. Mas o facto é que , mesmo como ela é hoje, com os seus defeitos e qualidades, as suas vantagens e as suas deficiências, ela atrai milhões de indivíduos , prontos a lutar para ai entrar.

Eles não sabem, mas nos sabemos que a Europa poderia ser ainda melhor, mais influente e mais projectada no futuro, se ela não sofresse cruelmente da falta de verdadeiros chefes.

Um presidente invisível, que ninguém conhece, uma Comissão que é a emanação dos Estados e devia ser um verdadeiro governo, mas a quem falta a ambição e o nível à altura do projecto, transformada em albergue espanhol onde cada um vem procurar e encontra finalmente as vantagens ambicionadas, sob pressão constante de lobbies influentes, poderosos, e mesmo das influências dos concorrentes dos dois continentes que contam : a América e a China.

Entretanto, como ela podia ser extraordinariamente influente a nossa Europa ! A sua posição geográfica, na fronteira do continente do XXI° século, a Ásia imensa, dotada dum capital cientifico e industrial invejáveis, duma população que fazem dela o primeiro mercado solvente mundial, verdadeiro elo de ligação com os povos de além Mediterrâneo , que ela conhece melhor que ninguém, a Europa tem as cartas ideias para ganhar no jogo planetário de amanhã.

Mas falta-lhe os homens de estatura universal capazes de estabelecer as bases do futuro.

Um exemplo: Vemos hoje centenas de milhares de Ucranianos saírem para a rua reclamar a liberdade e o direito de aderir ao projecto europeu. Claro que sabemos bem que o que os interessa são todas as vantagens descritas no inicio deste texto, isto é, o "eldorado" que eles pensam existir neste lado da Europa. Sem dúvida, comparado com o que eles têm, este "eldorado" é talvez um.

Mas precisamente, imaginemos que a Europa tinha à sua frente um governo inteligente dotado duma visão a longo prazo, capaz de federar os interesses de toda a Europa, incluindo a própria Rússia?
Imaginemos que em vez de jogar a carta subalterna dos Estados Unidos e da NATO, tentando levar a fronteira desta Europa sob influência americana, até à fronteira da Rússia, que não é estúpida e vê bem a manobra, procurava antes conciliar as politicas económicas e geoestratégicas que assegurariam a segurança da Europa em relação à China ?

Imaginemos os recursos imensos da Rússia asiática postos à disposição da Europa, num mercado comum realmente europeu?

A mesma ^politica que daria uma resposta positiva à Ucrânia e a todos os países de leste, poderia ser também aplicada aos países do Magreb e do Mediterrâneo, como a Turquia, que não pedem outra coisa desde há muito.

Que fantástica Europa sairia deste plano global especificamente europeu, e que garantia para a paz !
Em contrapartida, o jogo actual da Europa que consiste a afrontar os interesses russos levando a NATO até à porta da Rússia não pode ser vista como um passo para a paz. Eu vejo o risco contrário.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sr. Freitas Pereira,

Muito obrigado pelo elogio!!! É enorme a minha satisfação quando os leitores gostam do que escrevo.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pois é Sérgio,

Agora foram 4 derrotas e 2 empates. Não esteve mal para aperitivo.
Mesmo assim, como se tem visto em Kiev, ainda há quem se iluda com os encantos passados de Bruxelas.
A verdade é que aqueles infelizes emparedados entre a Rússia e a Prússia não têm sorte nenhuma...

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira,

O pano de fundo do seu comentário é uma utopia.
A sua crítica é acerba e certeira.
O el dorado é-o de facto para quem está de fora. Os que estão dentro estão desenganados. Traídos seria mais exacto.